STF mantém obrigação de parque fornecer água gratuita aos visitantes: implicações jurídicas

Decisão reforça a primazia dos direitos do consumidor e da dignidade humana sobre interesses econômicos.

Por: Redação

Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a obrigação legal de que o Parque Beto Carrero World, localizado em Penha (SC), disponibilize bebedouros gratuitos em quantidade suficiente para atender todos os seus visitantes. A medida decorre de ação civil pública ajuizada em 2019 pelo Ministério Público de Santa Catarina.

A seguir, uma análise aprofundada desse tema, dos fundamentos jurídicos envolvidos e dos impactos que essa decisão traz para empreendimentos privados que prestam serviços ao público.

Os fatos

  • A ação civil pública foi proposta pela 1ª Promotoria de Justiça de Balneário Piçarras, em 2019, alegando que o parque deixava de oferecer água potável gratuita, obrigando os visitantes — sob calor e longas permanências — a comprar água.

  • Também foi pedido que fosse permitida a entrada de alimentos comprados fora do parque, mas esse pedido não foi acolhido pela Justiça.

  • O parque contestou, alegando, entre outros pontos, violação do princípio da legalidade e questões sanitárias.

  • O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a obrigação. Recursos especial e extraordinário foram interpostos, mas não obtiveram sucesso. Finalmente, o ministro Dias Toffoli, em decisão monocrática, negou agravo, confirmando a manutenção da obrigação.

Fundamentos jurídicos

A decisão do STF e de instâncias inferiores se apoia em alguns pilares relevantes do direito brasileiro, especialmente em:

  1. Código de Defesa do Consumidor (CDC)
    O parque oferece um serviço ao consumidor (visitante), que pressupõe condições mínimas de segurança, dignidade e integralidade. Deixar de dispor água gratuita num ambiente onde o visitante está sujeito a condições de calor, ou quando exigir consumo contínuo de água, pode ser entendido como prática abusiva ou omissiva no dever de garantir segurança ou integridade física e saúde do consumidor.

  2. Princípio da dignidade da pessoa humana / direito à saúde
    O acesso à hidratação, especialmente em ambientes públicos ou de uso coletivo, pode ser considerado parte dos direitos fundamentais relacionados à saúde e à dignidade. A decisão alinha-se ao entendimento de que a livre iniciativa (direito empresarial) não é absoluta, devendo se sujeitar aos limites impostos pelos direitos fundamentais.

  3. Princípio da legalidade e do interesse público
    A atuação estatal — via Ministério Público, Justiça Estadual e STF — demonstra que há uma expectativa legal ou regulamentar de que prestadores de serviços públicos ou privados, que cobram ingresso ou acesso, garantam condições mínimas de atendimento, inclusive infraestrutura básica. Em casos assim, o interesse público na proteção da saúde e do consumidor justifica imposições legais.

  4. Proporcionalidade / razoabilidade
    Questionamentos sobre custo para o empreendedor são naturalmente levantados, mas a jurisprudência recente tem considerado que o ônus de prover bebedouros gratuitos, no contexto específico, não ultrapassa os limites do razoável, sobretudo frente ao benefício coletivo e ao dever de proteção aos consumidores.

Possíveis repercussões e riscos para empreendimentos privados

A decisão do STF serve como importante precedente para parques temáticos, espaços de entretenimento, eventos, clubes, shoppings, bares, restaurantes e quaisquer estabelecimentos que cobram ingresso ou oferecem serviço ao público. Eis alguns dos principais pontos que esses empreendimentos devem observar:

  • Infraestrutura mínima exigida: será necessário verificar se há bebedouros suficientes, acessíveis, em local adequado e bem sinalizados para os visitantes. Não basta fornecer água em local isolado ou em número insuficiente.

  • Custo e planejamento operacional: embora o custo de instalação de bebedouros, manutenção e limpeza seja real, o risco de sanções judiciais, danos à imagem e eventuais indenizações ou obrigações posteriores indica que tais custos fazem parte da responsabilidade de quem explora o serviço.

  • Adequação normativa: é necessário observar normas de saúde pública (vigilância sanitária etc.), assim como legislações estaduais e municipais relativas a direitos do consumidor, normas de acessibilidade, condições sanitárias etc.

  • Risco de precedentes em outras localidades: decisões estaduais ou municipais que imponham obrigações semelhantes (como a oferta gratuita de água potável filtrada em bares e restaurantes) têm sido objeto de controle de constitucionalidade. Alguns foram mantidos, outros foram considerados inconstitucionais.

  • Possibilidade de medidas extrajudiciais: o empreendedor deve antecipar riscos, negociando com órgãos de defesa do consumidor, ajustando políticas internas, evitando que ações civis públicas sejam propostas ou julgadas desfavoravelmente.

Comparativos e precedentes relevantes

  • No Rio de Janeiro, uma lei estadual obriga bares, restaurantes e estabelecimentos similares a oferecerem água potável filtrada gratuitamente aos consumidores. O STF confirmou a constitucionalidade dessa norma, em julgamento que recusou apelações da Associação Nacional de Restaurantes.

  • Em São Paulo, uma lei estadual que exigia fornecimento gratuito de água em estabelecimentos foi suspensa liminarmente pelo Tribunal de Justiça, por violação aos princípios da livre iniciativa e da razoabilidade.

Esses precedentes indicam: embora haja espaço legal para obrigações de fornecimento gratuito de água, cada caso será analisado com base no contexto local, natureza do estabelecimento, legislação aplicável, custos e proporcionalidade.

Implicações práticas da decisão para Beto Carrero e além

Para o Beto Carrero:

  • O parque deverá implementar bebedouros em número suficiente, garantindo acesso fácil e gratuito à água potável para todos os visitantes.

  • A empresa já indicou que não recorrerá da decisão final.

  • O parque deverá cumprir no campo prático: localização dos pontos de água, manutenção, limpeza constante, sinalização, eventuais ajustes sanitários etc.

Para outros empreendimentos:

  • Devem revisar seus contratos, políticas internas e regulamentos de uso do espaço para garantir que seus termos não conflitem com obrigações legais de consumidor, saúde e dignidade.

  • Verificar se há legislação estadual ou municipal aplicável que imponha obrigações adicionais ou diferentes.

  • Monitorar decisões judiciais em instâncias superiores para antecipar obrigações ou riscos.

Possíveis controvérsias ou vetores de recurso

Embora a decisão seja firme, há pontos que poderiam ser objeto de questionamento ou de recurso, tais como:

  • Definição do que seja “número suficiente” de bebedouros: quantos bebedouros são necessários, em que pontos do parque, em relação à capacidade de público? Essa definição pode gerar litígios futuros.

  • Princípios da legalidade, livre iniciativa e propriedade: se os custos para o parque forem considerados excessivos ou desproporcionais à capacidade econômica ou ao porte, poderia haver alegações de abuso do poder estatal regulador.

  • Normas sanitárias ou técnicas: requisitos de qualidade da água, manutenção, higiene, localização, que podem impor exigências adicionais além da mera instalação dos bebedouros.

  • Possibilidade de modulação ou indenização: se o parque descumpriu a obrigação por tempo significativo, pode haver demandas de indenização por danos morais coletivos ou sanções administrativas.

Conclusão

A decisão do STF reafirma uma tendência clara: direitos do consumidor, proteção da saúde e dignidade humana são parâmetros essenciais que podem legitimar obrigações para empreendimentos privados que atuam prestando serviço ao público. O exercício da livre iniciativa é valor constitucional, mas não pode conflitar com obrigações que a Constituição, o CDC ou o interesse público estabeleçam.

Na CAVALCANTI Advogados Associados, acompanhamos de perto esses desdobramentos e estamos prontos para orientar empresas e empreendedores sobre os impactos legais de decisões como esta, oferecendo suporte jurídico estratégico para prevenir riscos, adequar práticas e garantir conformidade com as exigências legais e constitucionais.