NIMBY – Not In My Backyard | O Acrônimo do Atraso

O enfrentamento ao NIMBYismo não deve ser feito apenas nos tribunais ou nos bastidores administrativos.

Dr. Murilo Peralta

Criado na década de 1970, em meio aos protestos contra usinas nucleares nos Estados Unidos, o termo NIMBY (sigla para “Not In My Back Yard” ou “Não no Meu Quintal”) surgiu como uma crítica à oposição local a projetos de alto impacto ambiental. Inicialmente adotado por ambientalistas e defensores da justiça social, o conceito representava um tipo de resistência considerada legítima: a de comunidades que buscavam preservar a qualidade de vida e proteger seus territórios dos riscos e danos provocados por grandes empreendimentos corporativos e governamentais.

Com o passar do tempo, no entanto, o significado do termo se deslocou. O que antes era uma bandeira associada à consciência ambiental passou a ser utilizado, principalmente a partir dos anos 1990, para deslegitimar a resistência a qualquer tipo de projeto urbanístico ou imobiliário. Hoje, o NIMBYismo é frequentemente citado em disputas sobre construção de moradias populares, edifícios comerciais, torres residenciais e até centros de acolhimento para populações vulneráveis.

A mudança no uso do termo carrega consequências significativas. Se antes ele servia para denunciar a imposição de empreendimentos nocivos em comunidades operárias e vulneráveis, frequentemente escolhidas para receber lixões, fábricas poluentes e usinas de alto risco, hoje o NIMBY passou a ser aplicado de forma generalizada a qualquer movimento que questione a verticalização ou o aumento da densidade urbana em determinadas regiões.

No Brasil
Segundo Wesley Gonsales e Larissa Vitória, colunistas do portal Metro Quadrado, um condomínio de alto padrão comprou uma casa vizinha para barrar a entrada de incorporadoras.

Em vez de recorrer à tradicional estratégia de protestar por meio de associações de moradores, os proprietários do Altto Vila Madalena, um condomínio de alto padrão localizado no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, se uniram para comprar uma casa na mesma rua com o objetivo de impedir a construção de um novo edifício.

O imóvel foi adquirido por quase R$ 2 milhões, valor dividido entre os condôminos — cerca de R$ 40 mil para cada um, segundo a reportagem.

A estratégia adotada foi comprar a chamada “casa do meio” da quadra, justamente para inviabilizar uma aquisição em bloco por parte de alguma incorporadora interessada em erguer um novo empreendimento no local.

Curiosamente, antes de se tornar o condomínio de alto padrão que é hoje, o próprio Altto Vila Madalena foi alvo de resistência no bairro. Em 2013, duas associações de moradores da Vila Madalena entraram na Justiça para tentar barrar a construção do edifício, que acabou sendo viabilizado e construído pela incorporadora Even.

O egoísta urbano
Pode parecer contraditório, mas, em muitas situações, a resistência à expansão urbana não está relacionada a uma preocupação legítima com o adensamento populacional ou com o planejamento da cidade, e sim com uma postura individualista. É cada vez mais comum observar casos em que o próprio comprador de um imóvel adquirido na planta, muitas vezes atraído justamente pelo potencial de valorização da região, se opõe veementemente à construção de novos empreendimentos nas proximidades.

O que está em jogo, nesse caso, não é o bem-estar coletivo, mas a manutenção de uma exclusividade imaginada, o desejo de usufruir de uma vizinhança com poucos moradores, pouco trânsito, baixa circulação e valorização constante, sem a “interferência” de novos edifícios ou equipamentos urbanos. Em resumo, o novo morador quer ser o último a chegar e fechar a porta logo depois.

Essa postura, cada vez mais visível em bairros valorizados ou em processo de transformação urbana, costuma se manifestar por meio de ações judiciais, mobilizações encampadas por ONGs locais e até intervenções do Ministério Público. Ainda que travestidas de preocupações ambientais, patrimoniais ou de ordem pública, essas iniciativas muitas vezes têm como efeito (ou objetivo) o bloqueio de projetos habitacionais ou comerciais que poderiam beneficiar a coletividade.

O resultado é o atraso no desenvolvimento de determinadas regiões e o aprofundamento das desigualdades no acesso à cidade. Ao impedir novos empreendimentos, principalmente os voltados à habitação de interesse social, essa oposição contribui para a manutenção da lógica excludente dos grandes centros urbanos, onde morar bem se torna privilégio de poucos.

Em nome da “preservação do bairro”, o egoísmo urbano se disfarça de engajamento cívico, quando, na verdade, reforça a segregação e/ou a elitização dos espaços urbanos. É um desafio cada vez mais relevante para urbanistas, gestores públicos e para a sociedade como um todo. Afinal, quem tem o direito de decidir o que pode ou não ser construído na cidade?

Responsabilidade Urbana
Certamente, desde que estejam em conformidade com a legislação vigente e respeitem todas as diretrizes do planejamento urbano, os empreendimentos legalmente licenciados têm o direito e até o dever de se posicionar diante das tentativas de barrar seu avanço. Mais do que simplesmente reagir, as empresas responsáveis precisam adotar uma postura propositiva: demonstrar de forma clara e transparente que seus projetos não apenas atendem às exigências técnicas e legais, como também trazem benefícios concretos para a cidade e a população.

Isso inclui, por exemplo, apresentar estudos de impacto, dialogar com a comunidade local, investir em contrapartidas urbanísticas e ambientais, e mostrar como o empreendimento pode contribuir para a mobilidade, o adensamento inteligente, a geração de empregos e o acesso à moradia.

O enfrentamento ao NIMBYismo não deve ser feito apenas nos tribunais ou nos bastidores administrativos. É fundamental que o setor produtivo se engaje no debate público com argumentos sólidos, responsabilidade social e compromisso com a cidade. Afinal, a construção de uma cidade mais justa, acessível e equilibrada não é tarefa de um só agente, é uma missão coletiva que exige diálogo, transparência e visão de futuro.