Bebês reborn e os desafios jurídicos de um fenômeno contemporâneo

Bonecos hiper-realistas despertam atenção do legislativo, do judiciário e da sociedade civil — e já movimentam debates relevantes sobre saúde mental, consumo e os limites do direito.

A crescente popularização dos chamados bebês reborn — bonecos extremamente realistas que simulam bebês de verdade — tem gerado uma série de questionamentos no campo jurídico. Com um mercado em expansão no Brasil, o uso, a comercialização e até mesmo a destinação desses objetos já é objeto de projetos de lei e discussões técnicas nos mais diversos ramos do Direito, do consumo à saúde pública.

Natureza jurídica dos bebês reborn

Do ponto de vista legal, os bebês reborn são bens móveis, conforme prevê o artigo 83 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). São, portanto, objetos inanimados, sem personalidade jurídica, o que impede qualquer tentativa de enquadramento em institutos típicos do Direito de Família, como guarda, herança, adoção ou pensão.

Apesar disso, casos de tentativa de atendimento médico-hospitalar a esses bonecos, bem como episódios envolvendo sua inserção em políticas públicas destinadas a crianças de colo, têm chamado a atenção do Poder Legislativo.

Projetos de lei em tramitação

Diante de situações inusitadas e da repercussão midiática do tema, algumas propostas legislativas surgiram com o objetivo de disciplinar o uso dos bebês reborn:

  • PL 2320/2025: estabelece sanções administrativas a quem utilizar bonecas hiper-realistas para obtenção indevida de benefícios destinados a crianças reais.

  • PL 2326/2025: veda expressamente o atendimento de bonecos em unidades de saúde, públicas ou privadas, proibindo práticas como triagem, prescrição ou enfermagem em relação a esses objetos.

  • Projeto Estadual (MG): em trâmite na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o projeto pretende proibir o atendimento hospitalar a bebês reborn no âmbito do SUS e da rede privada estadual.

Essas proposições evidenciam o esforço do legislador em evitar fraudes e delimitar a atuação dos serviços públicos frente ao que não possui respaldo legal nem necessidade concreta.

O olhar do Direito do Consumidor

Ainda que desprovidos de personalidade jurídica, os bebês reborn são produtos e, como tal, estão submetidos às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Publicidades que prometem efeitos terapêuticos, por exemplo, podem ser enquadradas como enganosas, nos termos do artigo 37, §1º do CDC, especialmente quando garantem benefícios psicológicos sem respaldo clínico.

A responsabilidade dos fornecedores inclui, portanto, a transparência nas informações, a adequação do produto e o respeito aos direitos básicos do consumidor, inclusive no que diz respeito à segurança e à veracidade da propaganda.

Uso terapêutico e saúde mental

Apesar das polêmicas, especialistas em saúde mental reconhecem que os bebês reborn podem ser utilizados como instrumentos terapêuticos. Casos de depressão, luto gestacional ou perdas infantis, por exemplo, têm se beneficiado do uso assistido desses bonecos como parte de estratégias clínicas, desde que acompanhadas por profissionais qualificados.

Por outro lado, há preocupação com o uso indiscriminado e substitutivo dessas figuras em relações sociais. A dependência emocional pode indicar transtornos mais profundos, demandando acolhimento e avaliação especializada.

Um tema atual e multifacetado

No escritório CAVALCANTI Advogados Associados, acompanhamos de perto os desdobramentos legislativos e sociais que envolvem temas contemporâneos como este — muitas vezes considerados inusitados, mas que, na prática, afetam políticas públicas, contratos e direitos fundamentais.

A análise jurídica dos bebês reborn revela um ponto de intersecção entre o simbólico e o normativo, desafiando operadores do Direito a lidarem com fenômenos sociais em constante transformação. A regulamentação precisa equilibrar liberdades individuais, proteção do interesse público e os limites da atuação estatal, sem perder de vista a dignidade da pessoa humana e o impacto emocional envolvido.